Embora existam diversos fatores que podem explicar os desfechos metabólicos na vida adulta, as pesquisas epidemiológicas têm reforçado cada vez mais a influência de certos macronutrientes (especialmente proteínas e gorduras) e da microbiota intestinal na propensão ao desenvolvimento, a longo prazo, de obesidade, doenças associadas e distúrbios imunológicos.5
Assim, ações preventivas ao longo dos primeiros 1.000 dias de vida - da concepção aos 2 anos de idade, com foco na adequação da ingestão dietética materna e do lactente, devem ser desenvolvidas não apenas por uma relação direta e imediata entre ingestão alimentar e desfechos no peso e na saúde do lactente, mas, principalmente, pela capacidade de ajustes e desajustes epigenéticos que estes fatores podem acarretar na vida adulta.6
O PAPEL DAS PROTEÍNAS NO IMPRINTING METABÓLICO
Com base em estudos observacionais e de intervenção, a proteína está entre as variáveis dietéticas que claramente são chaves na regulação de peso e do crescimento durante a infância, mas também na programação metabólica para a vida adulta.7,8 O papel da proteína no crescimento linear do lactente na saúde imunológica e no desenvolvimento neurocognitivo é inegável, porém a "hipótese da proteína precoce" sugere que a ingestão elevada de proteínas no início da vida aumenta a circulação de alguns aminoácidos essenciais, como os ácidos graxos de cadeia ramificada (BCAA), o que estimula maior secreção de insulina e IGF-1, hormônios anabólicos que favorecem a lipogênese e podem promover o ganho de peso a curto e longo prazo.9
Esta hipótese foi testada em larga-escala, em um estudo randomizado e controlado, em que se comparou desfechos da aplicação de fórmulas isocalóricas, sendo uma com elevada carga de proteínas (4,4 g de proteína/100 kcal) e outra com carga reduzida (2,2 g de proteína/100 kcal), do nascimento até 12 meses, e aqueles do grupo de menor consumo proteico demonstraram uma trajetória de ganho de peso mais suave e comparável a lactentes amamentados com leite materno. Além disso, observou-se um ganho de comprimento muito próximo entre os dois grupos, evidenciando o papel do excesso de proteínas apenas no ganho de peso, sem incrementos significativos no comprimento.8 Fato curioso é que estudos de coorte com este mesmo propósito, que acompanharam as crianças até idades mais avançadas, observaram que este padrão acelerado de ganho de peso, sem incrementos proporcionais na estatura, parece se manter até a idade escolar e adiante, demonstrando o impacto epigenético do excesso de proteínas em fases iniciais da vida na regulação metabólica a longo prazo.10
O PAPEL DAS GORDURAS NO IMPRINTING METABÓLICO
Uma ingestão adequada de gorduras é fundamental no início da vida e desempenha papel importante no crescimento e desenvolvimento.11 Mas, além disso, a quantidade e tipo de gorduras consumidas nos estágios iniciais de vida parecem desempenhar efeitos a longo prazo importantes, apesar de os mecanismos envolvidos neste processo não estarem completamente esclarecidos.12
Desde o período intrauterino, observa-se plena translocação placentária de ácidos graxos da gestante para o feto, em quantidades proporcionais ao consumo materno. Assim, desbalanços no consumo da mãe nestes períodos podem resultar em desequilíbrios permanentes para a prole no que diz respeito a questões metabólicas e fisiológicas, tais como controle do apetite, função neuroendócrina e metabolismo energético.13
Os efeitos dos Ácidos Graxos Poli-insaturados de Cadeia Longa (LC-PUFAS) no metabolismo a longo prazo podem ter início em fases muito iniciais do desenvolvimento embrionário, uma vez que eles impactam na expressão de genes envolvidos, por exemplo, com a formação e modulação do tecido adiposo, que se inicia ainda na fase intrauterina.14-16 Estudos em modelo animal demonstraram o efeito da aplicação de uma baixa razão ômega-6/ômega-3 no período perinatal com menor balanço energético positivo, menor ingestão calórica, menos gordura corporal e melhor metabolismo da glicose em fases mais tardias de vida. Estes achados se devem à capacidade que os LC-PUFAS possuem em remodelar a morfologia do tecido adiposo para aumentar a circulação de adiponectina (hormônio envolvido no metabolismo de glicose e ácidos graxos), resultando em um fenótipo persistente até a vida adulta, com melhor flexibilidade metabólica, que previne a obesidade induzida pela dieta.17
Os LC-PUFAS, especialmente o DHA, desempenham efeitos fundamentais no neurodesenvolvimento e imunidade nos primeiros 1.000 dias, que perduram em fases posteriores da vida. Ao ser incorporado nas membranas celulares, o DHA confere maior fluidez, flexibilidade e atua na permeabilidade da membrana, atuando diretamente na função celular. O sistema nervoso e a retina são os órgãos cujas células concentram a maior parcela de DHA do organismo humano, fato que explica a importância deste nutriente no desenvolvimento e modulação das funções neurológicas e da visão. Além disso, o DHA tem impacto fundamental na imunidade, atuando principalmente por meio da redução da inflamação sistêmica e aumentando a atividade de linfócitos B.18
O ácido araquidônico (ARA) também é conhecidamente transferido através da placenta e do leite materno para o feto/lactente, e desempenha conhecidos efeitos na estrutura das membranas celulares e no desenvolvimento do sistema nervoso central, mas, além disso, este ácido graxo possui capacidade de metilação do DNA, podendo desempenhar imprintings metabólicos, especialmente quanto ao risco de desenvolvimento do diabetes tipo 2, obesidade e autismo.19
O PAPEL DA MICROBIOTA INTESTINAL NO IMPRINTING METABÓLICO
Ao longo da última década, o microbioma emergiu como um dos maiores contribuidores para uma saúde adequada. Assim, observou-se que a formação da microbiota intestinal nos estágios iniciais da vida parece desempenhar um papel crucial não apenas na saúde presente do lactente, mas também na fase adulta.20
As evidências científicas têm demonstrado cada vez mais que o aleitamento materno é uma das formas mais efetivas para se moldar a microbiota intestinal no início da vida, tanto diretamente pela exposição do recém-nascido à microbiota do leite quanto indiretamente, por meio de fatores do leite materno que afetam o crescimento bacteriano e o metabolismo, como oligossacarídeos do leite humano, IgA secretora e fatores antimicrobianos. Considerando que cada cepa de microrganismo pode desempenhar uma função benéfica específica na microbiota intestinal, uma maior variedade representa um arsenal melhor contra patógenos e a favor da saúde do lactente.21
Já os quadros de disbiose no lactente têm sido associados com o desenvolvimento futuro de doenças imunomediadas, metabólicas e desordens do neurodesenvolvimento, tais como o diabetes tipo 1, a doença celíaca, atopias e obesidade.22-25 Diversos fatores podem contribuir para o desbalanço da microbiota intestinal, tais como o tipo de parto, o uso de antibióticos, hábitos de higiene, localização geográfica e a dieta.26
Desta forma, os achados até o momento condizem com as teorias que suportam o microbioma humano como um participante ativo na origem de condições de saúde e doença ao longo do desenvolvimento, especialmente em fases iniciais da vida.22,26
CONCLUSÃO
Diante do exposto, observa-se o papel da dieta nas fases iniciais da vida como uma das variáveis envolvidas no imprinting metabólico, a qual é capaz de determinar possíveis desfechos negativos na vida adulta, seja de uma forma direta, por meio de nutrientes-chave, ou de uma forma indireta, por meio da modulação da microbiota intestinal. Os primeiros 1.000 dias de vida são uma janela entre o período intrauterino e os dois anos de idade, que parece ser crucial neste processo e, portanto, cuidados na dieta materna e do lactente que garantam um perfil nutricional adequado às necessidades desta fase são essenciais para garantir desfechos positivos na vida adulta.5
O leite materno é o melhor alimento para os lactentes e até o 6° mês deve ser oferecido como fonte exclusiva de alimentação, podendo ser mantido até os dois anos de idade ou mais. As gestantes e nutrizes também precisam ser orientadas sobre a importância de ingerirem uma dieta equilibrada com todos os nutrientes e da importância do aleitamento materno até os dois anos de idade ou mais. As mães devem ser alertadas que o uso de mamadeiras, de bicos e de chupetas pode dificultar o aleitamento materno, particularmente quando se deseja manter ou retornar à amamentação; seu uso inadequado pode trazer prejuízos à saúde do lactente, além de custos desnecessários. As mães devem estar cientes da importância dos cuidados de higiene e do modo correto do preparo dos substitutos do leite materno na saúde do bebê. Cabe ao especialista esclarecer previamente às mães quanto aos custos, riscos e impactos sociais desta substituição para o bebê. É importante que a família tenha uma alimentação equilibrada e que sejam respeitados os hábitos culturais na introdução de alimentos complementares na dieta do lactente, bem como sejam sempre incentivadas as escolhas alimentares saudáveis. |
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